A sessão plenária do STF da última quinta-feira, 21, foi marcada por decisão que contrariou interesses de segurados do INSS. Durante o julgamento de ações (ADIns 2.110 e 2.111) que questionavam critérios para a concessão de benefícios previdenciários (salário-maternidade, salário-família e fator previdenciário), os ministros derrubaram, por via indireta, decisão de 2022 que concedia aos segurados a possibilidade de revisão da vida toda do cálculo da aposentadoria.
O processo que analisa a revisão das aposentadorias é o RE 1.276.977, que, atualmente, conta com um embargo, proposto pelo INSS, ainda pendente de julgamento pela Corte e que será analisado no próximo dia 3.
Entenda como o debate se formou no plenário e quais os potenciais reflexos da decisão tomada em uma ação paralela à da revisão da vida toda (RE 1.276.977).
Princípio da congruência
O julgamento foi marcado por discussões que fugiram dos temas salário-maternidade, salário-família e fator previdenciário, objetos das ADIns em pauta.
Alguns ministros quiseram se manifestar para além da (in)constitucionalidade da regra de transição do art. 3º, e, superando o requerido pelos autores das ações, passaram a votar a obrigatoriedade de aplicação do dispositivo nos casos de segurados afetados pelo regime de transição. O presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, colheu os votos dos ministros que assim quiseram se manifestar.
Ministro Alexandre de Moraes alertou que tal decisão poderia influir no caso do RE da revisão da vida toda como embargos infringentes, prejudicando o entendimento confirmado pela Corte em 2022. O ministro foi um dos que divergiu da tese que acabou por derrubar a revisão das aposentadorias.
Após voto do ministro André Mendonça, ministro Luís Roberto Barroso questionou o posicionamento de S. Exa. quanto à obrigatoriedade da norma de transição. Mendonça, a seu turno, afirmou que com relação à imperiosidade da regra se manifestaria apenas no RE da revisão da vida toda, e que, no caso pautado, limitar-se-ia à manifestação quanto à constitucionalidade do art. 3º.
Toma lá dá cá
Os ânimos afloraram quando, após manifestação de Mendonça, ministro Alexandre de Moraes justificou que pautara a análise da obrigatoriedade do art. 3º porque ministro Gilmar Mendes teria provocado o assunto no plenário virtual. A fala de Moraes gerou um “disse me disse” entre os pares.
“Como Vossa Excelência, o ministro Gilmar, trouxera esse assunto no plenário virtual, desde o início eu quis pontuar que parecia exatamente que a ADIn estaria sendo usado como embargos infringentes”, comentou Moraes. “Vossa Excelência quem começou a conversa”, respondeu o decano da Corte.
Moraes, então, afirmou que então retiraria o tema e o deixaria para o momento oportuno da pauta.
Discussão inseparável
Nesse momento, interveio o ministro Luís Roberto Barroso, que, com a concordância de Gilmar Mendes, afirmou que a discussão a respeito da constitucionalidade do art.3º seria inseparável da decisão da obrigatoriedade de sua aplicação.
“Quando o STJ deixou de aplicar o art. 3º em sua textualidade, o que ele fez foi declarar incidentalmente a inconstitucionalidade”, afirmou Barroso.
O presidente da Corte também expressou que o fato de os ministros terem “errado” na decisão do RE, ao validarem a revisão da vida toda, não os impediria de “acertar agora”. Ministro Alexandre de Moraes indignou-se com o comentário e respondeu: “Achar que a maioria errou realmente é impressionante”.
Eterno ritornelo
O debate só esfriou quando ministro Gilmar Mendes afirmou que as reconsiderações sobre o mesmo tema estimulavam um “eterno ritornelo” do assunto, pois a cada vez que ele é revisitado nas Cortes, o contexto estimula recálculos de posicionamento. “Qual sistema atuarial suporta esse tipo de reconsideração? “, questionou o decano.
O ministro, em conclusão, afirmou que a situação rememorava frase atribuída ao ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, segundo o qual, “no Brasil, até o passado é incerto”.
Como o Supremo chegou encampou a mudança?
Para o advogado e professor da UFPR, Noa Piatã Bassfeld Gnata, as ADIns acabaram atuando como embargos infringentes no RE da revisão da vida toda. Para ele, o STF utilizou-se da nova composição da Corte para desfazer o entendimento firmado em 2022 por uma via indireta. Assim, os ministros Cristiano Zanin e Flávio Dino, que assumiram os postos deixados por Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, puderam votar de modo contrário à posição dos ministros aposentados.
O professor alerta que a AGU trouxe dados questionáveis quando apresentou um déficit para os cofres públicos que subiu de R$ 15 bi para R$ 480 bi. Segundo Noa, foi uma “tática apocalíptica”, pois, na realidade, uma minoria de pessoas têm direito à revisão da vida toda e, aquelas com tal direito estão apenas recebendo uma contrapartida devida, por contribuírem ao longo de suas vidas.
Esperança para os aposentados
Segundo o advogado, o Supremo ainda precisará lidar com duas barreiras para derrubar, em definitivo, a revisão da vida toda. Em primeiro lugar, sustenta que, como as ADIns ainda não transitaram em julgado, cabem embargos de declaração, e a Corte poderá enfrentar a alegação de “violação ao princípio dispositivo”, já que sua decisão não estava contida nos limites do processo, que só demandava a respeito da constitucionalidade do art. 3º, não acerca de sua vinculatividade.
O professor completou que o julgamento das ADIns extravasou a lide e desafia a segurança jurídica e o Estado Democrático de Direito, já que o STF colocou-se indevidamente no papel do STJ, ao defender uma lei federal e não interpretá-la conforme a própria CF.
Em segundo lugar, aponta que, no iminente julgamento do RE, o STF terá que reconhecer, ou não, o julgamento de 2022, no qual firmou a validade da revisão com anteparo na jurisprudência do próprio Supremo.
“Ainda temos muito a discutir, porque precisamos fazer valer o Direito e a Constituição em detrimento da posição do STF nesta ADIn, para que o processo constitucional seja respeitado e observado pela Corte”, completou.
Fonte: Migalhas