No dia 13 de outubro de 2020 foi publicada a lei 14.071/2020 que alterou substancialmente vários dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro, mas o que será objeto de análise nesse pequeno texto é a inovação trazida pelo artigo 312-B do CTB, que tem aplicação no âmbito penal.

Segundo consta no próprio site de notícias do Senado, a aparente intenção do legislador foi proibir a substituição da pena de reclusão por “outra mais branda”, senão vejamos:

“A nova norma prevê também que, em casos de lesão corporal e homicídio causados por motorista embriagado, mesmo que sem intenção, a pena de reclusão não pode mais ser substituída por outra mais branda, restritiva de direitos.”

Ocorre, porém, que o texto que fora sancionado e entrou em vigor no dia 12 de abril de 2021 não deixa dúvida quanto à sua interpretação, pois prevê expressamente a não aplicação somente do inciso I, do art. 44 do Código Penal.

“Art 312-B Aos crimes previstos no § 3º do art. 302 e no § 2º do art. 303 deste Código não se aplica o disposto no inciso I do caput do art. 44 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).”

“Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

II – o réu não for reincidente em crime doloso; (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998) ”

Pelo que se percebe do dispositivo supramencionado, a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos é garantia quando se cumpre os requisitos elencados nos incisos I a III. O que a lei 14.071 fez, foi retirar apenas o primeiro requisito para substituição da pena, ou seja, a partir de 12 de abril de 2021, o condenado pelo crime do art. 302§ 3º do CTB (Homicídio culposo no trânsito qualificado pela embriaguez ou uso de substância psicoativa) ou o crime do art. 303§ 2º do CTB (Lesão corporal culposa no trânsito qualificada) poderá ter sua pena de reclusão substituída por uma restritiva de direitos quando não for reincidente em crime doloso (reincidência específica, conforme § 3º do próprio art. 44 do CP) e ainda, quando as circunstâncias do crime forem favoráveis.

Desse modo, outro entendimento não parece ser plausível, tendo em vista os mecanismos de interpretação normativa, que ficam limitados pelo princípio da legalidade e da taxatividade no direito penal, não podendo estender uma interpretação para prejudicar e suprimir direitos já garantidos.

Portanto, se a intenção do legislador foi vedar a substituição de penas nesses casos específicos, houve gritante equivoco técnico, além da já declarada inconstitucionalidade por ofensa a garantia constitucional da individualização da pena.

Fonte: JUSBRASIL